quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Mal interpretado

Tenho muitas vezes dificuldade em perceber de quem é o problema quando fico irritada, magoada ou triste. Será de mim? Será do outro e eu tenho razão?

O que suponho que não seja coincidência é o facto de que, quando isto acontece, a esmagadora maioria das vezes não é numa conversa verbal. Ou seja, não é por algo que a pessoa diz, é por algum gesto ou olhar.

Durante muitos anos sofri muito com isto, mas quando entrei na faculdade fui aprendendo que muito era da minha cabeça. Percebi que se calhar não sou tão fluente nessa linguagem como pensava. Certos signos eu interpretava de forma muito errada. E o mais estranho é que nem são parecidos com o que deveriam ser. Vejamos por exemplo:

Um olhar carregado que pensava significar: “Estou a julgar”, aprendi que era um “Estou preocupado”, e que o real “Estou a julgar” é bastante diferente. Um que identificava como “Preciso de espaço”, ou seja, sentia que estava só a incomodar afinal era “Preciso de ajuda”.

E o mais recorrente deles todos que identificava como “Estou desinteressado” afinal era “Estou cansado” e muitos mais…

Pensar agora na quantidade de situações em que me prejudiquei emocionalmente e socialmente por esta minha falta de vocabulário não-verbal é como um abrir de olhos. Claro que ainda acontece, mas cada vez menos. Aprendi a prestar mais atenção. A ouvir desta nova maneira, que até agora usava muitas vezes sem ter noção, e até me pergunto o que passei sem querer e se alguém o apanhou.

Acabei por descobrir que sim, alguém apanhou, muitos alguéns até. E senti uma vergonha que depois se transformou em alívio e gratidão.

A falta que esta linguagem nos faz. Há tanta coisa difícil de dizer e de expressar, mas que passa pelo não verbal mesmo que a pessoa não queira. Coisas que não entendemos, que não reparamos e devíamos reparar.

É viver em comunidade. Viver com os outros em constante comunicação. Muitas outras espécies conseguem… será assim tão difícil para o ser humano?