quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Os estranhos são os outros

 




Sem Título, Lápis de cor em Kraft, 26 x 17 cm, autoral.

 

“People are strange when you're a stranger

Faces look ugly when you're alone

Women seem wicked when you're unwanted

Streets are uneven when you're down”

 

People are strange, The Doors. Composição: Jim Morrison / John Densmore / Ray Manzarek / Robby Krieger


"SCÈNE VI LES ME MES, LA FOULE CRIS DANS LA FOULE A mort ! A mort ! Lapidez-le ! Déchirez-le ! A mort ! ORESTE, sans les entendre. Le Soleil ! LA FOULE Sacrilège ! Assassin ! Boucher. On t'écartèlera. On versera du plomb fondu dans tes blessures . UNE FEMME Je t'arracherai les yeux. UN HOMME Je te mangerai le foie. ORESTE, s'est dressé. Vous voilà donc, mes sujets très fidèles ! Je Suis Oreste, votre roi, le fils d'Agamemnon, et ce jour est le jour de mon couronnement. La foule gronde, décontenancée. "

 Huis Clos, Jean-Paul Sartre, Éditions Gallimard, 1947. 



A vida como eternidade do confronto. Garcin, atrevendo-se a conviver com o epítome do desconforto humano, o signo do inevitável, lança a máxima Entre Quatro Paredes: “o inferno são os outros”.

À medida que Sartre travestido pelo personagem de peça de teatro em Huis Clos confronta os espectadores com a afirmativa sobre a vida e sobre a sua condição imperativa, imagens em sequência tomam a minha mente em perspectiva sobre qual o papel desempenhado por aqueles que rodeiam-me, os outros. Por que são?

Nascemos, vemos (minha formação atual não me permite qualificar os vultos que os bebés enxergam, mas suponhamos sejam a princípio sombras com cheiros), sentimos algo que não somos nós, percebemos algo além dos nossos pequenos corpos, temos a noção de que há o outro. Algo além de nós. Os desejos mais primitivos pelos nossos novíssimos sistemas só são realizados pela existência do além corpus. A solitude, é uma impossibilidade a priori. Necessitamos do outro para sobreviver.

Sim, antes de conseguirmos existir por conta própria, necessitamos de alguém; um apoio, um resguardo, ou até mesmo um financiador. Entretanto, houve aqueles que cristalizaram a primordialidade da autossuficiência com a finitude da primeira infância, quando não somos mais frágeis e indefesos para sermos lançados a nossa própria sorte, o resto se tornaria pura comodidade. Dizem que o outro atrapalha, enviesa e incomoda. Por que de repente o indispensável se torna dantesco?

Como uma chave a ser virada e um interruptor a ser tocado. Penso em adolescentes se rebelando contra os pais como uma das primeiras tomadas de consciência. Contra a própria personificação dos primeiros outros. Aqueles que expõem as nossas fraquezas primárias – acertos e erros, lembranças diárias das nossas projeções e testemunhas do que foi e o que será. Talvez ao mesmo tempo, é por este olhar do outro que reconhecemos a nós mesmos. Já que a convivência expõe nossas fraquezas, os outros são o “inferno”.

Todavia, mesmo nos afastando dos nossos espelhos, signos daquilo que é comum – os nossos pais, ainda assim somos cutucados pelo incomodo do outrem, em qualquer tipo de organização de vida há o que enxergar além do nosso próprio umbigo. O extraordinário. Depois da segunda tomada de consciência, da percepção da não solidão da existência em nenhuma hipótese, muitos entram em processo de entender o es – tranho. O não familiar, umheimlich segundo Freud, ainda processa mais sentimentos, mais angst do que o familiar. 

De um modo ou de outro, aquilo que é reconhecido ou não de imediato seja ele heimlich ou não, ordinário ou extra, nós faz ter certeza e consciência da vida e da liberdade dita por Sartre, os outrso nos fazem lembrar da inevitabilidade das nossas liberdades de escolha. Isto é ser, em relacionar-se com o outro em um eterno confronto para construir os próprios ciclos e signos, processo nem sempre tranquilo e harmonioso. Estamos constantemente pintando um quadro de como deveria ser a sociedade a partir das nossas ações.