O meu gato gosta de comida para pessoas. É surpreendentemente seletivo, mas ainda não percebi bem qual é o seu critério. Manga, iogurte, castanhas, frango assado, banana. Parece aleatório, e talvez o seja, mas há algo de sistemático na forma como demonstra interesse pelo que estamos a comer, na sua forma de comunicar connosco através dos seus próprios signos. Começa por aproximar-se, como é natural, e fá-lo de um modo terrivelmente silencioso. Se estivermos absortos na nossa refeição, ou se esta nos tiver levado a uma reflexão profunda sobre os problemas das nossas vidas de pessoas, só reparamos nos bigodes e olhos curiosos quando já os temos quase em cima do prato, seguindo atentamente os movimentos dos talheres. É uma curiosidade descarada, que precede uma adorável sequência de comportamentos sedutores. A postura é de menino bem comportado que não promete nada, ficando sentado em duas patas, muito estreito e direitinho, quase quieto, mas ligeiramente debruçado para nós e para o seu objeto de estudo (e de desejo). Os seus enormes olhos amarelos parecem ficar mais redondos e brilhantes, tornando-se submissos e melancólicos ao olharem de baixo para cima para o conteúdo do prato, que viaja pelo ar transportado por um garfo ou colher. De seguida surge o mais evidente indício daquilo que ele está a tentar comunicar e cujo significante é uma inclinação mais ou menos acentuada da sua cabeça felpuda para o lado esquerdo. É absolutamente irresistível, e ele sabe disso. Não só está a expressar o seu desejo de provar a comida, como está também a passá-lo para nós, ao nos tornar espectadores de uma demonstração tão encantadora de curiosidade e impaciência. Quando finalmente cedemos ao seu pedido, que entretanto já se tornou óbvio por meio da repetição dos signos referidos, há uma preocupação da parte dele em agradecer-nos. Fá-lo quando lambe os bigodes sem parar, logo a seguir a ter provado o que lhe demos. Obrigado, obrigado, diz ele, a cada lambidela. E eu respondo-lhe, em português e em vão, "De nada".