Convidei uns amigos para virem a minha casa e um deles trouxe a namorada que eu não conhecia. Recebi-os com a maior simpatia e mal entraram disse-lhes com um sorriso para se sentirem à vontade como se estivessem em sua casa.
Enquanto se acomodavam na sala de estar, perguntei se queriam beber um café ou comer alguma coisa ao que ninguém fez questão de pedir nada.
Conversámos alegremente e trocamos risos durante algumas horas até que de repente, olhei para a namorada do meu amigo e reparei que ela estava com os pés descalços em cima do sofá. Fiquei imediatamente surpreendida e perplexa, senti-me desconfortável e incomodada, que foi o suficiente para o meu sorriso cair.
A conversa e a boa disposição continuavam, mas eu estava imersa nos meus pensamentos, a questionar e a analisar esta minha reação intuitiva ao que tinha acabado de sentir perante o que tinha visto. Dei por mim a aperceber-me da minha hipocrisia: afinal, tinha sido eu a encorajar para que ‘’se sentissem à vontade como se estivessem em sua casa’’ o que me apercebi agora ser uma ideia que estava incutida em mim e programada para ser dita em situações como estas.
Depois desta introspecção e de analisar os meus valores pessoais voltei a olhar para a situação de uma forma mais genuína e despida de concepções. Agora não conseguia ver a situação da mesma maneira, e não consegui encontrar mal nenhum no que tinha considerado antes como má educação. Afinal o que estava ela a fazer de possivelmente errado que me deixou até quase ofendida? E foi por não encontrar nenhuma justificação que fiquei ainda mais inquieta por me aperceber que a minha reação inicial tinha sido puramente mecânica e automática à qual eu não encontrava agora uma justificação plausível que eu realmente pudesse considerar.
A conversa permanecia como barulho de fundo enquanto eu continuava focada na minha linha de pensamentos. Comecei a aperceber-me da quantidade de vezes que encaro um ‘’papel’’ que sempre achei ser inerente à minha pessoa. Noto agora que muitas das minhas reações, princípios e maneiras de agir surgem fora de mim e não dentro de mim e, no entanto, adoto-as como sendo características pessoais, identificando-me com elas.
Ouço o meu nome e volto à realidade ao afastar os meus pensamentos, colocando imediatamente o sorriso amável e entrando na personagem que me insere no grupo e no ambiente amigável que me rodeia.