terça-feira, 20 de outubro de 2020

não se morre da doença, morre-se com a tecnologia

O Homem pertence à Natureza. Mas a partir do momento em que decidimos tirar proveito dos recursos naturais, fazer na natureza a fonte de recursos para o trabalho, separámo-nos desta. A passagem de valor utilitário para valor de troca (e posterior valor comercial) dos recursos naturais foi mais notória a partir da Revolução Industrial. E o que veio com a Revolução Industrial? Novos tipos de tecnologia.


A separação entre Homem e Natureza cresceu a cada nova era de revolução tecnológica: à medida que surgiam novas tecnologias, estas iam-se intrometendo cada vez mais no nosso quotidiano até se tornarem completamente indispensáveis, quase substituindo os meios de existência dados pela Natureza.


Sempre fui avesso à crescente presença e espaço que a tecnologia ocupa no nosso quotidiano.Acho que será sensato afirmar que a evolução da tecnologia e o estatuto que adquiriu ao longo das últimas décadas é representativo do nosso progresso (e domínio) enquanto uma das muitas espécies que habitam o planeta. No entanto este avanço tecnológico tem sido representado (especialmente nos últimos tempos, devido à situação de pandemia) como algo exclusivamente positivo e que nos irá “salvar a todos”, seja sob que forma for.


A promessa de uma vacina em tempo recorde. Os efeitos do confinamento são notórios e graves a vários níveis e pelo menos eu já noto (e sinto) alguma fadiga, sobretudo mental, causada pelas restrições impostas por esta situação de excepção. No entanto, o número crescente de casos em todo o mundo mostra uma certa despreocupação com as normas de segurança e higiene pessoal devido à promessa de uma vacina no início de 2021 (estamos a cerca de dois meses). Este otimismo desmesurado no desenvolvimento de uma vacina em tempo recorde (cerca de um ano) é o resultado do (aparente) progresso tecnológico: em vez de “re-aprendermos” a vida em sociedade com as devidas restrições, confiamos que tudo acabará bem sem grande esforço pessoal ou coletivo; a tecnologia irá salvar a humanidade.


As alterações climáticas. Os últimos anos têm sido bastante positivos no que toca à multiplicação de energias verdes, hábitos de consumo sustentável, desperdício zero etc. Ao mesmo tempo têm-se multiplicado os esforços para contrariar o aumento dos gases com efeito de estufa, o aumento de plástico nos oceanos, o crescente número de espécies em vias de extinção. Todos estes problemas resultam em mais uma solução tecnológica que existirá daqui a 5, 10 ou 15 anos. Seja um robô que limpe os oceanos ou um “aspirador” de CO2. Todo este pensamento, que tem por base a fé na tecnologia e no progresso, que irão substituir os meios de existência do mundo sensível, não irá salvar a humanidade nem de uma pandemia nem dos efeitos das alterações climáticas.

A procura pela nova solução tecnológica para os problemas sistémicos que a humanidade enfrenta desde o início do século XX impede-nos de chegar às verdadeiras soluções (e ao verdadeiro progresso), tal como nos desresponsabiliza perante as consequências dos nossos atos: se encontrarmos o “aspirador de CO2” iremos continuar a esgotar os nossos meios de existência até a Natureza deixar de existir?