sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Máscaras impossíveis de colocar

 Ontem fui a mais uma aula de condução. A quarta, para especificar. Mas vou começar pelo início. As primeiras duas não foram nada de mais, dentro de um parque de estacionamento, com exercícios muito dentro daquilo que eu esperava ser pedido a quem nunca havia sequer tocado num volante. Porém quando cheguei ao ponto de encontro no dia da terceira lição apercebi-me logo de que era desta que me ia pôr a “andar” (a conduzir, note-se) na via pública.

Banco ajustado, espelhos direitinhos, cinto posto e motor a trabalhar. Calmamente o instrutor diz-me para pôr a primeira e eu bloqueio. Dei uns dez segundos a mim mesma, durante os quais ele pacientemente esperou sem dizer uma única palavra. Mas foi assim que o carro avançou cinco metros que eu sabia que esta aula ia ser uma experiência desconfortável. Para mim e para o instrutor, preocupava-me.

Se excluir o aterrorizante estacionamento em espinha que, apesar de ter corrido muito bem, tive de executar demasiado cedo para o meu gosto, a cada mínima coisa que fazia saíam-me uns monossilábicos “ahhh”, “naaaa” ou “ehhh”. Ou então repetições apressadas do que me foi pedido (“Á esquerda, à esquerda, vira, vira, vira.”). É claro que no fim da lição, com o Renault imobilizado em segurança, ouvi das boas. Para resumir as palavras do instrutor, eu não tenho paciência nem comigo, com o carro ou com ninguém. “Se não te acalmares para conduzir nas próximas aulas é melhor fazermos um bocadinho de yoga antes de entrarmos no carro!” foi outra que ouvi.

Voltando à aula de ontem, fiz o meu caminho até à escola de condução muito calma, depois de dias a preparar-me para agir a maior calma possível. Dei o meu melhor para ficar calada durante a aula, só abrindo a boca para perguntar o necessário. Após um silencioso passeio pelo trânsito das ruas de Almada à hora de ponta, parei o carro e esperei pelo feedback da aula. Para minha surpresa, ele veio com a mesma conversa de que eu não tenho calma nenhuma e faço tudo com “uma pressa de quem não vai ver o amanhã”.

Após o choque inicial, pois achava que tenha feito um excelente trabalho em parecer relaxadíssima, veio-me à cabeça que se há coisa que os instrutores melhor sabem fazer é avaliar a nossa condução. Num exercício de autorreflexão percebi que estar caladinha e com cara séria, mesmo que com a máscara posta, nunca ia adiantar nada se a cada mudança que punha me virava toda para a direita e puxava com força e me contraía os braços de maneira ridícula sempre que recebia nova indicação.

Partilho esta história visto que a condução é um exercício praticado em sociedade em que devemos agir conhecendo as intenções dos outros e mostrando as nossas. Na interação com os outros há máscaras que por tão forçadas se tornam impossíveis de colocar, não provam nada a ninguém e no final de contas provam-se totalmente desnecessárias.