domingo, 18 de outubro de 2020

Meta do Filho: Ser um Nada Garantido

Ser artista é falhar como nenhum se atreveu a falhar (BECKETT, 1949)

Há qualquer coisa no fracasso que nos une a todos. Faz parte da condição humana. O horror a ser um nada já perdeu o charme. A cultura do instável faz com que o artista, enquanto individuo, enquanto identidade, entre em crise. As artes geram-se e alimentam-se a si mesmas; novas mutações e novas combinações surgem e aniquilam-se incessantemente. Ser original e criativo já não é desejável – cria obstáculos. Tenho de pôr todo o meu esforço em anular-me. Não interessa o que se faz; interessa que o que se faça agrade aos outros. Há que fazer valer a opinião do outro, de nos esvaziarmos de qualquer vislumbre de individualidade. O triunfo paga-se com a aniquilação da própria vida: para triunfar, tenho de passar a viver no outro. Culto da mediocridade como meio de sucesso. Tenho o dever ético de matar em mim todos os surtos de originalidade e pensamento crítico. O que os outros não vêm não existe. Só o aplauso dos outros valida a nossa existência e faz com que tudo valha a pena. Só podemos viver através da adaptação das nossas ações, mentindo; apesar de insistirmos o contrário, acabamos por viver através de mecanismos que falsificam a nossa existência e, através deles, os sistemas construídos permitem que a vida seja valorizada e possa ser vivida. Sem esse carácter falso da vida, estamos condenados à vertigem constante de nos vermos como sendo um outro alguém que não o nosso próprio ser.

Podemos ser espantosos por meio de sublimações e afins, mas esse espantoso nunca é alcançado através da nossa própria falibilidade humana.

Aristóteles definiu o ser humano como o animal racional. Já Nietzsche, quis chamar à atenção para a parte animal desta equação; queremos estar separados dos animais, queremos identificar-nos com almas místicas e acabamos por colocar o propósito e o sentido das nossas vidas em sonhos alheios; e depois não conseguimos estar à altura dos nossos desejos mais elevados, porque “somos humanos - demasiado humanos”.

Quando estamos conscientes dos nossos limites, quando não vivemos na ignorância, quando somos capazes de reconhecer o génio do outro, estamos condenados ao nosso próprio processo de degradação. 

Beckett, S. (2020). Waiting for Godot (1st ed.). Ray of Hope.

Nietzsche, F., Faber, M., Lehmann, S., & Danto, A. C. (1996). Human, All Too Human: A Book for Free Spirits (Revised Edition) (Later prt. ed.). Bison Books.