Ser artista é falhar como nenhum se atreveu a falhar (BECKETT, 1949)
Há qualquer coisa no fracasso que nos une a todos. Faz parte da condição
humana. O horror a ser um nada já perdeu o charme. A cultura do instável faz
com que o artista, enquanto individuo, enquanto identidade, entre em
crise. As artes geram-se e alimentam-se a si mesmas; novas mutações e
novas combinações surgem e aniquilam-se incessantemente. Ser original e
criativo já não é desejável – cria obstáculos. Tenho de pôr todo o meu esforço
em anular-me. Não interessa o que se faz; interessa que o que se faça agrade
aos outros. Há que fazer valer a opinião do outro, de nos esvaziarmos de
qualquer vislumbre de individualidade. O triunfo paga-se com a aniquilação da
própria vida: para triunfar, tenho de passar a viver no outro. Culto da
mediocridade como meio de sucesso. Tenho o dever ético de matar em mim todos os
surtos de originalidade e pensamento crítico. O que os outros não vêm não
existe. Só o aplauso dos outros valida a nossa existência e faz com que tudo
valha a pena. Só podemos viver através da adaptação das nossas ações, mentindo;
apesar de insistirmos o contrário, acabamos por viver através de mecanismos que
falsificam a nossa existência e, através deles, os sistemas construídos
permitem que a vida seja valorizada e possa ser vivida. Sem esse carácter falso
da vida, estamos condenados à vertigem constante de nos vermos como sendo um
outro alguém que não o nosso próprio ser.
Podemos ser espantosos por meio de sublimações e afins, mas esse espantoso
nunca é alcançado através da nossa própria falibilidade humana.
Aristóteles definiu o ser humano como o
animal racional. Já Nietzsche, quis chamar à atenção para a parte animal desta
equação; queremos estar separados dos animais, queremos identificar-nos com
almas místicas e acabamos por colocar o propósito e o sentido das nossas vidas
em sonhos alheios; e depois não conseguimos estar à altura dos nossos desejos
mais elevados, porque “somos humanos - demasiado humanos”.
Quando estamos conscientes dos nossos
limites, quando não vivemos na ignorância, quando somos capazes de reconhecer o
génio do outro, estamos condenados ao nosso próprio processo de degradação.
Beckett, S. (2020). Waiting for Godot (1st ed.). Ray
of Hope.
Nietzsche, F., Faber, M., Lehmann, S., & Danto, A. C.
(1996). Human, All Too Human: A Book for Free Spirits (Revised Edition)
(Later prt. ed.). Bison Books.