O nada que é tudo
Na obra o Corpo e a Imagem, Bragança de
Miranda baseia-se no mito que Fernando Pessoa descreve em «Ulisses» na
Mensagem, defendendo assim que a imagem é um «nada que é tudo». A intenção
desta afirmação consiste em distinguir a imagem como algo mental, ou seja, a
imagem não é algo material «é nada», «mas é tudo» porque é dela que decorre a
existência. Se pudermos afirmar que no
principio não era o verbo, mas sim as imagens ainda sem homens, chega-se
rapidamente à conclusão de que se fossemos aplicar uma data de nascimento à
imagem essa seria a mesma data de nascimento que aplicaríamos à natureza, após
isso vem o verbo e o registo do ser humano.
Fernando Pessoa
Primeiro: ULISSES
Primeiro
ULISSES
O mito
é o nada que é tudo.
O
mesmo sol que abre os céus
É
um mito brilhante e mudo —
O
corpo morto de Deus,
Vivo
e desnudo.
Este,
que aqui aportou,
Foi
por não ser existindo.
Sem
existir nos bastou.
Por
não ter vindo foi vindo
E
nos criou.
Assim
a lenda se escorre
A
entrar na realidade,
E
a fecundá-la decorre.
Em
baixo, a vida, metade
De nada, morre.[1]
“A perda da imagem absoluta equivale ao desabamento da hierarquia em que o absoluto se sustenta, mas também à indecisão sobre as imagens a vir ou que vêm na infinidade dos envios que nos chegam de todo o lado, apoiados nas tecnologias telemáticas. A nossa crise, hoje, é acima de tudo a das imagens, e com ela, a das palavras, valores e todas as outras.”[2]
Com
esta afirmação podemos perceber, mais à frente na obra, a defesa da teoria de
que o problema e a crise moderna baseiam-se na falta de uma imagem comum. Uma
imagem que sirva de ícone comum, que atinja e que toque todo o ser humano e tudo
o que dependa deste. No entanto a imagem tem-se vindo a desfragmentar ao longo
do tempo, porque não poderia haver liberdade enquanto se resumisse tudo a um
ícone comum. Era preciso libertar as imagens, fossem para que uso fosse.
“A
«imagem» existe para se poder conviver com a violência de tais forças; ela é a
forma em que a vida se singulariza, se torna vivível e «humana».”; “A imagem é,
assim, uma lesão primordial da opacidade das «coisas».”[3]
É
aqui que se começa a abordar a imagem na sua essência, o que é a imagem? Se
atribuirmos à imagem o pensamento que Da Vinci atribuiu sobre a arte, afirmamos
que a imagem é uma coisa mental. Porque a imagem é gerada na mente de um observador
de uma obra material ou de um objeto já existente. Outra forma mental, é a
chamada arte como conceito, que existe apenas no plano mental. A qual não busca
se prender em matéria alguma, ou seja, tratando a imagem desta forma,
estar-se-ia a abordar a imagem como coisa mental e produto não só da matéria
como também da imaginação.
[1] Pessoa,
Fernando. Mensagem. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa:
Ática, 10ª ed. 1972).
[2] Miranda,
José Bragança de. Lisboa: Editora Nova Vega, limitada, 3ª edição (2017), p.13
[3] Miranda,
José Bragança de. Lisboa: Editora Nova Vega, limitada, 3ª edição (2017), p.24