domingo, 20 de dezembro de 2020

Encontrei-te?


Há uns meses atrás, percebi que as imagens que mais me interessavam eram imagens em que, de certa forma, “encontrava” elementos que me recordavam de alguém que me tinha sido algo. 

Acabei por chegar à conclusão que não “encontrava” estes elementos, mas que forçava a criação de ligações entre pessoas com quem tinha uma conexão emocional, com imagens de outras, com quem nunca tinha tido qualquer tipo de relação. Mais provavelmente por evitar o encontro da imagem da sua essência.

Nessa altura escrevi a seguinte frase: "Não será mais fácil encontrar nas imagens, partes/vestígios das pessoas, do que encontrá- la por todo, só para que a finalidade desta nos certifique de novo a Morte deste ser? Esta ignorância, este contentamento com pouco acaba por nos causar menos sofrimento."

Aconteceu que na semana passada, olhei para uma fotografia da minha bisavó. Nunca a conheci pessoalmente, mas quanto mais olhava para a fotografia, mais sentia que realmente a tinha conhecido. A imagem que estava à minha frente coincidia perfeitamente com a que tinha criado, através das palavras que outros tinham usado para descrevê-la. 

Vivemos mais do que nunca num mundo dependente da imagem, e fui só mais uma vítima disto. Sem esta fotografia, as palavras só em si não me certificavam nada, não tinham qualquer importância. Sem esta fotografia não tinha encontrado a essência da minha bisavó.

Foi então, que comecei a pensar nesta questão da essência. Se antes, evitava o seu encontro, em relação a entes queridos, como podia, agora, encontrá-la em relação a alguém com quem nunca tinha tido qualquer tipo de contacto?

Será que realmente conhecia alguma destas pessoas? Na realidade, é impossível conhecer alguém no seu todo, conheço só a parte que este me dá a conhecer. 

Acredito que, de certa forma, podemos viver experiências vividas por outros, e que é desta forma que conheço a minha bisavó, conheço-a através do conhecimento de outros e do que estes mesmos escolheram partilhar comigo. 

A essência não passa então, de uma “base” construída do conhecimento que eu tenho de alguém. Esta essência é minha, pertence-me, no sentido que a construo e a imponho a alguém, influenciada pela minha perceção, mas sempre baseada no que este “alguém” escolheu revelar de si mesmo a mim. 

Penso que foi mais fácil “encontrar” a minha bisavó, pois quando se trata da imagem de um ser com quem tenho uma ligação emocional, tenho sempre a sensação de que este está separado de si mesmo, nunca coincide. Embora continue, mais do que nunca, a acreditar que será por evitar o seu encontro, não consigo parar de sentir que encontrei mesmo a minha bisavó, apesar de toda a limitação do meu conhecimento sobre esta.