segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

"Me-time"

 Sempre me considerei uma pessoa reservada e todos à minha volta parecem concordar. À data, o meu círculo de amigos consiste em três outras pessoas. Não tenho dificuldade em criar relações, mantê-las e fazê-las durar é o problema. 

Por outro lado, sempre preferi estar sozinha, sobretudo em casa. Trabalhar é muito mais fácil quando sou só eu, a música e os gatos. Por isso, quando este ano letivo começou e a minha irmã voltou às aulas, eu sabia que ia ser muito mais produtiva. As minhas aulas iam ser todas por videoconferência. Eu ia estar sempre em casa. Com mais ninguém durante a maior parte do dia.

E assim foi, ao longo de mais uma série de meses em casa com poucas saídas e quase nenhum encontro com amigos, só eu e os gatos. Criei novas rotinas e hábitos adaptados ao tempo que passo sozinha. Ao fim de cada dia penso no seguinte, procurando quais as horas em que mais alguém vai estar em casa e planeio as minhas atividades de acordo.

Agora aproximadas as férias de Natal, vê-se cada vez mais difícil focar seja no que for. A televisão voltou, o pequeno almoço madrugador, os ruídos no quarto ao lado também. Em suma, a minha irmã voltou. E é triste como a minha primeira reação a esse facto foi negativa. A minha irmã de quem tanto gosto, de quem tanta falta senti durante o primeiro grande confinamento no início do ano, agora vai estar sempre comigo em casa e isso chateou-me.

Pergunto-me quando fiquei egocêntrica? Ou se sempre fui? Pelo menos nunca achei, nunca me o chamaram. Mas está tudo na minha cabeça, atenção. Não me chateio com ninguém, muito menos com os gatos, por estarem em casa, por fazerem "barulho" Isso só me irrita a mim. E agora é o facto de isso me chatear que me chateia.

Antes disto tudo estava constantemente rodeada de outras pessoas, mesmo se contrariada. Participava em projetos, fazia desporto, ia à rua. Tudo o que eu queria de vez em quando era tempo para mim. Chegada a oportunidade, comecei a criar projetos online, a comunicar e trabalhar com pessoas do outro lado do mundo e a fazer algum free-lance. Apesar de ter interações, todas são através de um ecrã que não lhes garante uma forma. Quando apenas penso no que tenho que fazer e imagino os meus projetos, não tenho nada para ver. Os ficheiros são todos em formato digital, as pessoas com quem trabalho não aparecem à minha frente, a maioria nem nunca as vi. Crio as suas imagens na minha cabeça, um mundo meu que não consigo partilhar com mais ninguém.

Diz-se que somos influenciados por quem nos rodeia. Estar demasiado tempo apenas com a minha pessoa influenciou-me de maneira redundante. Eu influencio-me, mas eu sou eu. O foco está todo no eu. Será então que foi demasiado "me-time" a causa de todo este disparate.