quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

 

Deixou de ser possível para mim trocar de linha no metro do marquês sem ficar maldisposta e desinspirada. Sem me sentir empobrecida com a (não)interação com um mundo sem texturas reduzido ao consumo…

E o espantoso é que já falei com muita gente que nem reparou na mudança: nos dois écrans publicitários gigantes, com vídeos que me invadem com uma agressividade da qual só consigo escapar se fechar os olhos. É uma poluição visual que domina completamente o espaço, não deixa momentos de calma, mas a sociedade está comercializada a um ponto que as pessoas encaram com naturalidade o papel de consumidores que lhes é imposto ininterruptamente, e não reparam em como a margem para sair dessa relação de consumo é cada vez menor.

 

Estes écrans impõem que no espaço público deixem de existir indivíduos, que reparam no sorriso de uma criança, que se exasperam com o padrão de uns azulejos, que sonham a partir de um olhar…, para passar a existir apenas consumidores estereotipados, cuja atenção é dirigida pendularmente do trabalho para o consumo.

O discurso publicitário, pela sua necessidade de comunicação instantânea, precisa de recorrer a representações reconhecíveis, a estereótipos, que homogeneízam a paisagem urbana que deveria pertencer a todos em liberdade, e não ser dominada de forma tão brutal por valores comerciais.

Fico indignada com esta mercantilização e privatização do que devia ser público. E principalmente, as mensagens comerciais, para além de colonizarem o espaço físico e visual, colonizam também o espaço ideológico, numa hegemonia despótica que põe em causa o espaço público enquanto espaço democrático.