segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

                                                                         Um adeus, Avô.

    Boa noite a algo anónimo. Perdi o meu tabaco e repito tudo isto. Hoje é dia de apatia sem tabaco. Mas agora vou conviver com a minha amiga de cara apagada, uma memória de uma ferida de um passado recôndito. 

    O tempo bate ritmada e matematicamente na alma e na mente e distorce o meu pensamento e leva todo o sentimento que imagino ou penso sentir. Ele vai-se embora e tudo o que eu sou ele leva e não traz. 

    O desespero apodera-se da minha mente impotente; da mente, pois eu não o sinto com o coração, mas sim com a mente e grito com o espírito que não reconheço nada: nem eu, nem o mundo, nem o meu corpo, nem a si mesmo. E tudo continua a passar à minha volta, e eu aqui plácido e monótono de espírito. Tudo o que se pensa ou imagina já foi imaginado ou criado, eu crio o meu mundo de chamas, vulcões, tempestades e mares irados dentro de mim mesmo e ele não me destrói, só me corrói e não me restringe a nada mas só sobre ele me permite escrever, e, contente e irado, eu escrevo enquanto tudo se desmaterializa e desaparece para dar lugar ao nada infinito, que não existe para além da fronteira de mim…

    Caro falecido, escrevo-te do vácuo emocional no qual eu estou perdido. Vejo ao longe um adeus do futuro. As letras queimam… mas se já não te tenho, apenas queimam o leitor; é uma chama violeta e violenta assaz feia e de intensidade mordaz o que me consumia até ter deixado de te ter. Se eu estou bem? Tu, só tu sabes. Transparece no meu olhar frio, vazio, enigmático, apático a minha tristeza? Mas não, estou simplesmente com raiva… de algo… de tudo… de nada… até de mim mesmo. Pois… com isto já não sei a quem endereçar esta carta. Talvez ao nada que me corrói e pode ser que ele me abandone. Com os amores crescem também os ódios e sem ti, o fiel da balança, só sinto ódios incomensuráveis. Com eles distorce-se a minha mente… ou o que dela sobra… já nem sei se sou uma mente ou um pensamento.

    Escrevo como se a mão não fosse minha, a tinta escapa-me da caneta sem que eu queira, as palavras escondem-se na minha alma como se nunca quisessem ser encontradas, a folha em labaredas desaparece, e por sua vez do meu pensamento, os dedos fluem como uma nascente, as palavras tornam-se ilegíveis e as frases inexoráveis, os sentimentos correm e para a folha escorrem… Deixo de ver… Deixo de sentir. O tempo e o espaço deixam de existir… A realidade… qual realidade? Sim, pois, qual delas eu não sei. O mundo não existe, só eu e os meus pensamentos.