A problemática do eu e do corpo está presente na obra de Lacan desde
os primeiros momentos de sua trajetória pela Psicanálise. Por meio da
elaboração do registo do Imaginário e do esquema conceitual proposto pelo
estádio do espelho, ele afirma a importância da imagem do corpo próprio na
formação do eu. A referência ao corpo também está presente de forma recorrente
ao longo de sua obra, sofrendo reformulações correlativas às retificações que
ele introduz. Entretanto, na esteira de Freud, o corpo ao qual ele se refere
não é o corpo biológico. O corpo para Lacan é o corpo marcado pelo significante
e habitado pela libido, corpo erógeno e singular. Corpo de desejo e, portanto,
de gozo, dimensões que certamente contribuem para repensar a problemática do
corpo em Psicanálise à luz da nova perspetiva da linguagem.
É importante dizer que o Real lacaniano não é o mesmo que realidade. Para
Lacan o Real é o impossível, pois ao estarmos a dizer que algo é real é necessário
um sentido que, por sua vez, é função do Simbólico e é sempre Imaginário.
O simbólico é o sistema que ordena, é a função do símbolo e também da
linguagem, só a partir dele é que se pode ordenar o Real e o Imaginário. O
imaginário, muitas vezes assumido como ilusão, trata-se da relação do sujeito consigo
próprio e a sua imagem.
Segundo Lacan, o
Imaginário será o lugar do Eu. Onde este viverá constantemente enganado por uma
imagem que acredita ser o que não é, devido aos efeitos ilusórios e
engodativos. O registo do Imaginário corresponde ao ego do sujeito. Tal como
Narciso, o sujeito que se ama e, ama o reflexo de si mesmo no outro. Esse
reflexo projetado no outro e no mundo, é a fonte de amor, paixão e desejo de
reconhecimento, mas também da agressividade e competição. Por possuir um
caráter primário, no sentido de antecessor, todas as identificações serão
imaginárias em qualquer situação. Essa estrutura sempre se alimentará da
perspetiva que o outro tem sobre nós, que conduzirá o desenvolvimento do Eu a
partir de identificações ideais e não reais.
Segundo
os ensinamentos freudianos, há um estreitamento entre corpo e inconsciente, se
Lacan nos diz que "o inconsciente é estruturado como uma linguagem",
então é possível dizer que existe uma aproximação entre corpo e linguagem.
Podemos interrogar, o que o corpo é capaz de suportar em função da imagem?
Esclareçamos que, ao introduzirmos a palavra "suporte", pensamos no
sentido de sustentar, como por exemplo, "a linguagem dá suporte à imagem
do corpo", como também em suporte associado a aguentar, sofrer, "o
sujeito suporta maltratar seu corpo em função de sua imagem".
Vejamos como
exemplo as imagens publicadas nas redes sociais, falamos nas imagens de corpos.
Procura-se mostrar corpos que passem ideias de perfeição e desejo. Mas será que
estas imagens são reais? A imagem, antes de ser capturada, é encenada: escolhe-se
o melhor cenário, um angulo que realce as curvas do corpo, uma roupa especificamente
usada para aquela foto, etc. Ela é construída com o intuito de passar uma
determinada mensagem e conceitos.
Pensar o corpo,
do ponto de vista do registo Imaginário de Lacan, implica levar em conta a forma
como a imagem do corpo próprio a partir do outro marca a constituição subjetiva
e a imagem assumida pelo sujeito. Refere-se à imagem que o sujeito quer passar
de si mesmo.
O corpo está enraizado no imaginário,
como testemunha a montagem lacaniana. Aparece uno, mas isto não faz identidade.
A própria imagem que o fixa inscreverá uma dessemelhança, que impede o sujeito
de tomá-lo como corpo próprio.
O corpo do ponto
de vista do Real seria sinônimo de gozo, definido não como organismo, mas como
"pura energia psíquica, da qual o corpo orgânico seria apenas a caixa de
ressonância". Além de, nestas imagens, estar claramente presente um corpo,
a ideia não é mostrar uma corpo mas sim um conjunto de símbolos de modo a
passar mensagens para o público.
Por fim, o
Simbólico aponta para a relação que se estabelece entre fala-linguagem-corpo. Ele
diz respeito ao corpo marcado pelo simbólico, no qual as diversas partes podem
servir de significantes, isto é, ir além de sua função no corpo vivo. Como já
vimos anteriormente, as imagens das redes sociais são encenadas propositadamente
para conterem um serie de conceitos e mensagens incorporados e não para
mostrarem o seu corpo como um organismo, pelo seu contexto.
Concluímos assim que
para refletir sobre a veracidade das fotografias mostradas nas redes sociais,
ou seja, para explicar o Real torna-se necessário mencionar o Simbólico e o
Imaginário. Temos em atenção o corpo e como ele pode assumir outros significados
dependendo do contexto que lhe dão.
Neste exemplo, o
corpo assume significados e deixa de ser um objeto biológico. Passa a ser a
imagem do ego do sujeito.
Com Lacan, evidencia-se
a função de captura que a imagem especular exerce e as consequências do facto
de que só se tem acesso ao corpo pela sua forma imaginária. Podemos verificar
que o corpo é necessariamente definido em relação à falta pela imagem do corpo
que inscreverá uma dessemelhança em relação ao próprio sujeito.
Verificamos que partindo
da ”fase do espelho”, uma absorção progressiva da imagem na função significante,
o que leva à radicalização da relação do significante com o corpo. Se, por um
lado, podemos discernir o gozo vinculado ao júbilo da imagem no espelho, por
outro, temos uma operação contínua, que inscreve na carne as marcas que serão
significadas a posteriori pelo sujeito: "a relação especular vem
a tomar seu lugar e a depender do fato de que o sujeito se constitui no lugar
do Outro, e de que sua marca se constitui na relação com o significante".